Nosso olhar para a deficiência

Cláudia A. Bisol e Carla B. Valentini

Não se olha sempre do mesmo modo. Nosso olhar sobre as pessoas, os fenômenos e as coisas está carregado de significados que partilhamos culturalmente e de significados que construímos ao longo de nossa história de vida.

Um dos olhares mais insistentes na nossa sociedade, principalmente a partir do século XIX, é aquele que busca por um padrão. Para esta forma de olhar, um corpo fora do padrão de normalidade instituído é considerado como desvio, anomalia, problema a ser resolvido.

Uma pessoa que não tem uma perna, que manca, que necessita de uma cadeira de rodas, uma pessoa que nasce com um corpo que apresenta alguma limitação ou que a adquire por alguma doença ou acidente, não se enquadra mais na sociedade para este tipo de olhar preso a padrões.

Frida Kahlo (1907-1954). Obra: Self-Portrait with Portrait of Dr. Farril, de 1951.

A dicotomia entre o normal e o patológico marca esses olhares, e coloca o corpo com deficiência como doente e inferior. A deficiência, vista enquanto desvio do estado normal da natureza humana, deve ser tratada e amenizada. Os esforços para reparar os impedimentos corporais e as desvantagens naturais visam que as pessoas possam se adequar a um padrão de funcionamento típico à espécie (Diniz, Barbosa & Santos, 2009). São olhares que recaem sobre as limitações, sobre aquilo que o corpo não pode fazer. Há que curar, remediar, fazer retornar à normalidade.

Outra forma de olhar acontece quando somos capazes de considerar o que está ao nosso redor, o contexto, o entorno. Uma pessoa que necessita de uma cadeira de rodas para se locomover irá ter maior independência caso encontre rampas adequadas, elevadores e transporte adaptado.

Esta mesma pessoa sentirá que sua liberdade de ir e vir está extremamente prejudicada se ela se deparar somente com escadas e barreiras. Se você prestar atenção nisso, verá que seu olhar passará a ser mais amplo: há uma cadeira de rodas sim, mas há possibilidades se forem criadas condições sociais mais adequadas.

Segundo Tom Shakespeare (2006), há perspectivas que atribuíam à deficiência explicações relacionadas à punição divina, carma ou falha moral, ou explicações baseadas em ideias pós-iluministas que enfatizavam o déficit biológico. Como contraponto, há a perspectiva alavancada pelos movimentos sociais em prol das pessoas com deficiência, que focaram sua atenção na opressão social, no discurso cultural e nas barreiras ambientais.

Questionar nossa forma de olhar, nossa forma de perceber, pode produzir mudanças na maneira como nos relacionamos com as outras pessoas.

Podemos nos relacionar com o que falta ao outro enquanto indivíduo, com o que nos falta enquanto sociedade, ou ainda buscar ultrapassar esses olhares para ir ainda mais além: olhar para os potenciais, construir formas colaborativas de vencer desafios e ajudarmo-nos uns aos outros, para além da forma que assumem nossos corpos.

Bibliografia
Shakespeare, T. (2006). The Social Model of Disability. In: The Disability Studies Reader. London: Routledge.
Diniz, D., Barbosa, L. & Santos, W. R. dos. Deficiência, direitos humanos e justiça. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos, 6(11), 65-77, 2009.

Para citar este texto
Bisol, C. A. & Valentini, C. B. Nosso olhar para a deficiência. Projeto Incluir – UCS/FAPERGS/CNPq, 2015. Disponível em: <https://proincluir.org/deficiencia-fisica/olhar/27-7-2024