Da uniformidade às singularidades
Cláudia A. Bisol e Carla Beatris Valentini
A escola, da maneira como nós a conhecemos nos últimos séculos, têm uma estrutura linear e hierárquica muito visível. Pode ser que os uniformes estejam mais descontraídos e que não vejamos mais as freiras fazendo as moças se ajoelharem para terem certeza que a saia está na altura certa. Mas ainda existem os uniformes ou a polêmica em torno deles.
Uniforme… uniformidade.
Ainda se vê crianças fazendo fila por ordem de altura. E se não fazem mais filas, sentam-se ainda em fila na maioria das escolas e universidades. Uma forma racional de organizar o espaço, obviamente. Fila, organização, ordenamento não só do espaço, mas também do tempo de aprender e dos saberes separados em disciplinas e organizados em séries, em ordem crescente de complexidade. Uma racionalidade herdeira da organização social que impera há mais ou menos três séculos (Foucault, 1987).
Vê-se isso ainda hoje, facilmente na escola. Felizmente em meio a formas alternativas, experiências inovadoras, busca de novos caminhos para o ensinar e o aprender.
Das séries iniciais ao ensino superior, o espaço onde se concretiza o ensinar e o aprender é organizado a partir de uma lógica afeita à homogeneização.
Diante disso, não é de se estranhar que no imaginário do professor, ele mesmo fruto e herdeiro desta lógica, tudo que se aproxime desta forma de organização seja considerado mais adequado, mais correto, mais desejável. É fácil compreender que o aluno ideal seja aquele que melhor se adapta à estrutura, às exigências e à rotina da escola.
Porém observando a escola em seu cotidiano, cada vez mais vemos que esta não é a regra, e sim a exceção. Ao desejo de organização sobrepõe-se uma realidade cada vez mais complexa, onde as formas de viver e de se constituir enquanto família, homem, mulher, trabalhador, ganham contornos cada vez mais fluidos, menos “institucionalizados”, uma subjetividade “midiática” em que a opinião pessoal e a imagem substituem a norma (Corea e Lewkowicz, 2005). Na opinião de muitos, seria mais fácil se as famílias continuassem a ser “normais”, tradicionais, pois evitaria os desconfortos de tentar adivinhar se tem pai, se tem meio-irmãos, se este é a primeira ou segunda esposa, se a criança tem duas mães ou dois pais. Mas não é mais assim.
Embora a homogeneidade, enquanto tal, nunca tenha existido (as salas de aula sempre contaram com o aluno excepcionalmente inteligente, o aluno médio, o aluno lento, o comportado, o inquieto – isso sem mencionar algumas diferenças socioeconômicas), atualmente há um movimento social intenso em prol dos direitos humanos e uma legislação cujo impacto é visível: cotas, direitos, políticas de ações afirmativas, acessibilidade, inclusão, são palavras que rondam todos os discursos pedagógicos e políticos na atualidade.
No Brasil, o desencadeamento de políticas de inclusão e expansão no ensino superior oferece bons exemplos, entre eles o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e o Programa Universidade para Todos (ProUni), voltado às instituições de ensino superior privadas ou comunitárias.
Nestes tempos de expansão e inclusão nos deparamos com uma mudança no perfil dos alunos que leva à necessidade de rever as práticas pedagógicas, coloca a necessidade do reconhecimento das diferenças e exige o trabalho de gerir as relações sociais com os alunos (Cunha & Pinto, 2009).
São novos tempos para velhas instituições: do ideal de uniformidade à possibilidade de flexibilizar e ressignificar os espaços, as relações e as práticas. Ao invés do igual, o espaço para o singular.
Bibliografia
Corea, C. & Lewkowicz, I. Pedagogía del aburrido: escuelas destituidas, famílias perplejas. Paidós: Buenos Aires, 2005.
Cunha, M. I. & Pinto, M. M. Qualidade e educação superior no Brasil e o desafio da inclusão social na perspectiva epistemológica e ética. Revista Bras. Est. Pedag., Brasília, v. 90, n. 226, p. 571-591, set./dez. 2009.
Foucault, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987. Trad. Raquel Ramalhete.
Para citar este texto
Bisol, C. A. & Valentini, C. B. Da uniformidade às diferenças. Projeto Incluir – UCS/FAPERGS, 2011. Disponível em: <https://proincluir.org/ensino/singularidades/03-10-2024