Paradigmas da educação inclusiva
Cláudia A. Bisol e Carla Beatris Valentini
Nos dias de hoje, a educação é um direito de todos, previsto em lei, concretizado através de pequenos ou grandes estabelecimentos educativos, projetos, programas, ações, regulamentações e discursos que tentam fazer esse ideal se concretizar. Cada vez mais, a luta social é que a educação seja um direito de todos “os todos”, não apenas dos “todos” considerados capazes de atingir critérios pré-estabelecidos de desempenho, dos que se enquadram nos comportamentos da maioria ou dos considerados merecedores de estarem nos bancos escolares. Claro que nem sempre foi assim.
A educação atende e reflete a sociedade que a constitui e que é por ela constituída, reproduzindo os saberes que compõem uma cultura.
Cada época produziu diferentes modos de educar, cada época teve a sua noção de quem são “os todos” para os quais a vida em sociedade (e o direito à educação, portanto) seria acessível.
Uma breve viagem na história da exclusão-inclusão permite identificar quatro grandes momentos:
- Exclusão
- Institucionalização
- Serviços ou integração
- Suportes ou inclusão
Na Antiguidade e na Idade Média, pessoas disformes ou com deficiências eram totalmente excluídas do convívio social. Eram abandonadas à própria sorte, simplesmente eliminadas ou exploradas através da mendicância ou trabalho circense, sem que isso constituísse problema ético ou moral.
Aos poucos, pelo viés do moralismo cristão, a deficiência ou a deformidade passou a ser associada ao pecado, sendo a segregação o seu destino mais provável. Aos ditos “anormais” se preservava o direito à vida, porém esta seria convenientemente escondida, objeto da caridade ou de castigo. Com o declínio da Idade Média, o surgimento da burguesia, a evolução do comércio e das grandes navegações, se observa que as pessoas com deficiências continuam excluídas dos processos educativos, assim como as classes populares, pois a educação era reservada à aristocracia.
As novas descobertas da Biologia, da Medicina e da Saúde fomentaram, a partir do século XVII, o tratamento médico, dando início a um novo modo de se conceber a relação entre o corpo sadio e o corpo doente. A deficiência passou a ser vista como doença de natureza orgânica. Surgiram as primeiras práticas sociais formais de atenção à pessoa com deficiência, porém na forma de segregação em instituições tanto para cuidado e proteção como para tratamento médico. Enquanto o período anterior é caracterizado pela lógica da exclusão, neste período que seguiu até meados do século XX a lógica preponderante é a da institucionalização (Tezani, 2005).
A necessidade da criação de serviços de reabilitação para atender aos soldados que retornavam das Grandes Guerras do século XX, o processo geral de reflexão sobre os direitos humanos, os altos custos de manutenção das grandes instituições, entre outras características do século XX, deram início à reformulação de ideias e à busca de novas práticas no trato com a pessoa com deficiência.
Vê-se surgir uma lógica que é caracterizada pela oferta de serviços. Esta lógica tem a vantagem de tentar proporcionar a adaptação ou readaptação à sociedade, porém está pautada na ideia de normalização: cabe à pessoa com deficiência chegar o mais perto possível do funcionamento normal. O conceito-chave deste período é o de integração – adequar o sujeito à sociedade. Ainda vigente, esta lógica começou a sofrer mudanças por volta dos anos 90, tendo como marcos a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994), a Convenção de Guatemala (1999) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências (2006).
A mudança para uma lógica de suporte ou inclusão está se dando paulatinamente, a partir da compreensão de que a sociedade deve se desenvolver e se modificar para acolher a pessoa com deficiência e qualquer pessoa que se encontre excluída por algum motivo, seja ele de ordem étnica, religiosa, econômica, cultural. A convivência não segregada deve ser oportunizada através do cuidado com a acessibilidade e a oferta de recursos que possibilitem o desenvolvimento de competências e habilidades.
A educação, para ser inclusiva, deve se basear no reconhecimento das diferenças, na busca de valores e práticas comuns, na convivência com a diversidade.
O futuro? Bem…
Bibliografia
Miranda, A. B. História, deficiência e educação especial. Reflexões desenvolvidas na tese de doutorado: A Prática Pedagógica do Professor de Alunos com Deficiência Mental. Unimep, 2003.
Oliveira, R.A.R.de. Direito à inclusão: uma longa, tortuosa e dura conquista. ETD – Educação Temática Digital. Campinas SP, v.7, n. esp., p.144-153, 2006.
Sanches, I. & Teodoro, A. Da integração à inclusão escolar: cruzando perspectivas e conceitos. Revista Lusófona de Educação. Lisboa, n.8, pg 63-83, 2006.
Soares, A.S. Pressupostos da Educação Inclusiva. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/22297/1/FORMACAO-DOCENTE-NA-PERSPECTIVA-DA-INCLUSAO-/pagina1.html
Tezani, T.C.R. Considerações sobre a história da educação especial no Brasil: movimentos e documentos. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade. Salvador, v. 14, n. 24, p. 205-216, 2005.
Tonus, K.P. & Silva, J.A.T. Escola Inclusiva: demolir preconceitos para reconstruir conceitos. Dialogia. São Paulo, v.7, n.2, pg 211-221, 2008.
Para citar este texto
Bisol, C. A. & Valentini, C. B. Paradigmas da educação inclusiva. Projeto Incluir – UCS/CNPq/FAPERGS, 2011. Revisado e atualizado em 2023. Disponível em: <https://proincluir.org/ensino/paradigmas/03-10-2024