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Como eu posso chamar você?

Caroline Caldas Lemons, Cláudia Alquati Bisol e Carla Beatris Valentini

 

Cadeirante, vesgo, mudo, surdo, cego,
negro, altão, anão, velho, índio,
agitado, distraído, inquieto,
burro, ateu, gay…

Por que e para que nominar quem já tem um nome?

Cada indivíduo, ao nascer, recebe o nome que será seu primeiro sinal de identificação. É por meio dele que a pessoa vai se apresentar aos outros e ao mundo e reconhecer-se ao ser chamada em meio a milhares de outras pessoas. E aos poucos, à medida que habita o mundo, outras tantas marcas de identificação passarão a se somar a este nome.

Características físicas, de personalidade, valores, atitudes, crenças, desejos, realizações pessoais e profissionais, vivências, histórias familiares e sociais – entre tantas outras questões – se entrelaçam em uma composição multifacetada e complexa que irá constituindo cada sujeito. De forma dinâmica, cada um vai atribuindo sentidos aos acontecimentos do cotidiano e às relações que se estabelecem ao longo da vida.

Este conjunto diverso comporá, para cada sujeito, várias possibilidades de identificação: filial, paternal, estudantil, profissional etc. Estas, por sua vez, relacionadas a outras marcas identitárias, visíveis e invisíveis, de nascença, adquiridas, desenvolvidas ou assumidas durante a vida, constituirão sua subjetividade. Nesse processo o indivíduo passa a ser um sujeito, único, singular.

Contudo, essa singularidade que a princípio torna cada sujeito especial, nem sempre é vista como algo pela qual se deva ter estima. Algumas marcas podem passar a ser entendidas como algo ruim, de menor valor, inadequadas ou inaceitáveis por outras pessoas ou grupos. Como se fossem algo inerentemente ruim que precisa ser controlado, segregado ou normalizado. Algumas dessas marcas identitárias passam a ser vistas com tanto peso que se tornam incontestáveis, tanto que fica difícil enxergar o sujeito que está por trás delas.

Esses traços já identificados de forma pejorativa, na medida em que negam as singularidades, ganham legitimidade nos mais variados contextos sem que haja o menor estranhamento. É instituída a morte do sujeito.

O que pode acontecer com cada um de nós? O que pode acontecer com você? As marcas de seu corpo, seus modos de aprender e de estar no mundo podem passar a ter mais valor do que o seu ser. Você deixa de ser um conjunto de características e significados em uma composição multifacetada e complexa para ser identificado por apenas algumas marcas. Sua riqueza, seus detalhes, suas idiossincrasias, tudo isso aos poucos se torna invisível e em seu lugar uma definição, uma categoria, um diagnóstico médico ou uma decisão vinda de fora, lhe é atribuída. Socialmente, você deixa de ser alguém e passa a ser um outro: aquele cadeirante, aquele velho, aquele gay, aquela com aquele transtorno, tantos aqueles e aquelas

Um outro distante com quem não se fala, mas de quem se fala muito. Um outro que é julgado, classificado e com quem se coexiste, mas que não se olha, não se escuta e não se convive.

A cultura da indiferença, do invisível, do indesejado, do ignorado vai sendo erigida enquanto esses sentimentos e concepções se enraízam. Quando menos se percebe, já não se pergunta mais à pessoa: como eu posso chamar você? Sua humanidade desconstruída. Seu nome não importa mais.

Podemos construir uma convivência que não se detenha diante da diferença, num movimento concomitante de percebê-la e desconsiderá-la em razão de ela ser apenas mais um aspecto constituinte do sujeito? Podemos, quem sabe, lembrar que a diferença é que nos torna semelhantes em nossa humanidade e que não há subjetividade que se repita. Isto contribui para que se repense as relações, enxergando o outro para além de alguém que simplesmente habita o mesmo espaço.

Talvez possamos visibilizar o óbvio, desconstruir identidades forjadas, desnaturalizar a linguagem e tensionar as raízes e as ramificações da não pergunta sobre o outro. Assim, quem sabe, se abram possibilidades para a valorização de todas as formas de ser e estar no mundo.

Bibliografia
Bisol, C. A.; Pegorini, N. N. & Valentini, C.B. Pensar a deficiência a partir dos modelos médico, social e pós-social. Cad. Pes., v. 24, n. 1, jan./abr. 2017.
Graham, L. J. & Slee, R. An Illusory Interiority: interrogating the discourse/s of inclusion. Educational Philosophy and Theory, v. 40, n. 2, 247-260, 2008.

Para citar este texto
Lemons, C.C.; Bisol, C. A. & Valentini, C. B. Como eu posso chamar você? – UCS/CNPq, 2018. Revisado e atualizado em 2023. Disponível em: <https://proincluir.org/diversidade/diferenca/23-4-2024