As línguas de sinais
Cláudia A. Bisol e Carla B. Valentini
O linguista norte-americano William C. Stokoe demonstrou, nos anos 60, que as línguas de sinais são uma verdadeira língua, com estrutura semelhante às línguas orais. Antes de suas pesquisas pioneiras, as línguas de sinais eram consideradas uma coleção de gestos, uma pantomima.
As línguas de sinais são independentes das línguas orais, portanto, elas não são uma soletração ou tradução de palavras de outras línguas (são muito mais do que um alfabeto manual).
Elas têm limites territoriais próprios, privilegiando o caráter visual ao invés do auditivo e utilizando uma modalidade espacial e gestual: as configurações das mãos, os movimentos em diferentes direções, maneiras e frequências, e os diferentes pontos de articulação (locais no corpo do sinalizador em que o sinal é realizado). Assim como as línguas orais, as línguas de sinais têm estrutura nos planos fonológico (sons/sinais), morfológico (formas), sintático (estruturação frasal) e semântico-pragmático (significação e uso).
Uma língua de sinais é um sistema abstrato de regras gramaticais: trata-se de um idioma, uma língua, um sistema de signos, e não uma linguagem (termo genérico utilizado para qualquer conjunto de signos ou formas de expressão que servem para comunicação, como linguagem visual, corporal, gestual, etc.).
Em cada país, as comunidades surdas desenvolveram diferentes línguas de sinais. No Brasil, a Libras: Língua Brasileira de Sinais. Nos Estados Unidos, a ASL: American Sign Language. Na França, LFS: Langue des Signes Française. E assim por diante! Quando surdos que se identificam com a língua e a comunidade surda estão reunidos, uma forma positiva e valorizada de se situar no mundo e de ver a si mesmos prevalece e a comunicação flui naturalmente.
No Brasil, a Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002 reconheceu a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão, determinou o apoio ao uso e difusão da língua e sua inclusão obrigatória nos cursos de formação de professores nos níveis médio e superior e nos cursos de Fonoaudiologia.
Qual o papel do alfabeto manual?
Chamado também de alfabeto datilológico, este é um recurso utilizado nas seguintes situações:
- quando não existe ou se desconhece um equivalente pronto à palavra ou conceito na língua de sinais;
- para nomes próprios;
- para títulos de trabalhos;
- para explicar o significado de um sinal para um ouvinte que conheça o alfabeto manual.
Nestes casos, cada configuração de mão, ou seja, a posição dos dedos da mão corresponde a uma letra do alfabeto. A palavra é expressa de modo linear conforme a estrutura oroauditiva, cada letra sendo representada individualmente. Assim com as línguas de sinais, os alfabetos manuais também diferem para cada país.
A figura abaixo ilustra o alfabeto datilológico brasileiro:
Três equívocos são comuns entre pessoas que nunca tiveram contato com a comunidade surda:
- achar que o alfabeto manual é a própria língua de sinais: o alfabeto manual permite soletrar palavras específicas e complementa a utilização da língua de sinais.
- achar que utilizando o alfabeto manual não será necessário aprender a língua de sinais: a língua de sinais possibilita aos surdos uma forma de comunicação viva, rica, aberta, como qualquer língua.
- achar que a leitura labial será suficiente para que o surdo entenda o que diz um ouvinte: ela pode ser um recurso utilizado pelos surdos no contato com ouvintes, principalmente com ouvintes que não conhecem a língua de sinais. Porém é importante saber que existem dificuldades relacionadas, entre outras questões, à identificação de palavras, à visibilidade dos sons nos lábios, homofonias, manutenção constante do foco no rosto do interlocutor, compreensão do contexto e integração de elementos verbais e não verbais. Portanto, a leitura labial auxilia, mas não garante por si só que haja compreensão.
Qual o papel do intérprete?
O intérprete de língua de sinais é um profissional ouvinte que tem competência e fluência em língua de sinais para viabilizar a comunicação entre surdos e ouvintes, ou seja, entre a língua de sinais utilizada em uma determinada comunidade surda e a língua oral falada pela comunidade majoritária ouvinte.
O intérprete de língua de sinais media a interlocução que se estabelece entre duas línguas distintas: de forma verbal (língua de sinais para língua oral) ou de forma gestual (língua oral para língua de sinais). Desta maneira, o ato interpretativo ocorre sempre na presença física do intérprete, que utiliza para isso a voz ou o gesto.
Inicialmente, os intérpretes de línguas de sinais surgiram entre familiares, amigos e membros de comunidades religiosas próximas a pessoas surdas. Aos poucos, este profissional foi ganhando espaço e maior reconhecimento na sociedade. Em 2010, a Lei nº 12.319 regulamentou a profissão de Tradutor e Intérprete de Libras.
É frequente que ouvintes pouco acostumados a interagir com surdos cometam o equívoco de dirigirem-se ao intérprete ao invés de dirigirem-se à pessoa surda, dizendo para o intérprete: “Diz para ele que eu …”. O mais correto é lembrar que o intérprete emprestará a sua voz e os sinais, traduzindo em primeira pessoa e não participando ativamente da conversa. Também é importante lembrar que o intérprete apenas media a interação, não emite opiniões próprias nem julgamentos.
Como o surdo vive em uma sociedade majoritariamente ouvinte, a presença do intérprete em órgãos públicos, hospitais, escolas, empresas, tribunais, ou seja, em todos os contextos sociais em que uma participação completa no mundo ouvinte é necessária, é o que possibilita uma inserção cidadã, participativa e autônoma.
Bibliografia
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Diário Oficial da União (Brasília, DF), 23 dez 2005.
BRASIL. Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010. Diário Oficial da União (Brasília, DF), 02 set 2010.
QUADROS, R.M. & KARNOPP, L. Língua de Sinais Brasileira: Estudos Lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
ROSA, Andréa da Silva. A presença do intérprete de língua de sinais na mediação social entre surdos e ouvintes. Em Cidadania, Surdez e Linguagem: desafios e realidades. São Paulo: Plexus, 2003.
ROSA, Andréa da Silva. Entre a visibilidade da tradução da língua de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Coleção Cultura e Diversidade. Editora Arara Azul, 2008.
VALENTINI, C. B. Língua Brasileira de Sinais e Educação de Surdos. Caxias do Sul: Educs, 2009.
Para citar este texto
Bisol, C. A. & Valentini, C. B. As línguas de sinais. Projeto Incluir – UCS/FAPERGS/CNPq, 2017. Disponível em (http://projetoincluir.org). Acessado em .... (cite a data). Disponível em: <https://proincluir.org/surdez/lingua-de-sinais/03-10-2024