Autismo: uma história recente
Cláudia A. Bisol e Carla B. Valentini
O que é o autismo, ou o atualmente denominado Transtorno do Espectro Autista (TEA)? Entre teorias e controvérsias, diagnósticos e propostas de abordagens terapêuticas, o autismo se faz cada vez mais presente em todas as esferas sociais.
Conhecer alguns detalhes da história do autismo é importante para questionar estereótipos e para construir uma postura crítica diante da avalanche de informações e desinformações veiculadas atualmente pela mídia e pelas redes sociais.
Também é importante para lembrar que a forma de compreender o ser humano e os nomes dados às coisas e aos fenômenos não são neutros, produzem seus efeitos e estão relacionados aos paradigmas científicos dominantes em cada momento da história.
Na história do autismo, entre os personagens que merecem destaque estão: Leo Kanner, Hans Asperger, as “Mães Geladeira”, Lorna Wing, Judy Singer e o próprio termo “TEA”.
Leo Kanner e Hans Asperger eram psiquiatras austríacos, porém Kanner radicalizou-se nos Estados Unidos, enquanto Asperger trabalhava em Viena. Kanner publicou seu estudo em 1943, descrevendo 11 casos de crianças que pareciam isoladas do mundo e afastadas do contato social. A maioria delas tinha graves dificuldades intelectuais. Asperger descreveu, em 1944, um distúrbio por ele denominado de Psicopatia Autística, destacando dificuldades severas na interação social, dificuldades motoras, capacidades inadequadas de comunicação, restrição de interesses, pensamento extremamente original e interesses abstratos e intelectualizados.
Foi Kanner quem criou a expressão “Mães Geladeira”, atribuindo a causa do autismo à relação mãe-criança. Ele descrevia mães que apresentariam falta de carinho maternal ou seriam incapazes de cuidar dos filhos. Em outros momentos, atribuía a causa do autismo a uma incapacidade para o contato afetivo que seria inata. A publicação do livro “A Fortaleza Vazia”, em 1967, de autoria do psicanalista Bruno Bettelheim, contribuiu para a popularização destas ideias, que posteriormente foram relegadas a um segundo plano.
Lorna Wing foi uma psiquiatra inglesa. Entre suas contribuições está a descrição da Síndrome de Asperger, em 1981, para se referir a um subgrupo especial de crianças que se enquadravam nas descrições originais de Hans Asperger (a Síndrome de Asperger não é mais um diagnóstico reconhecido). Além disso, ela e sua colega Judith Gould introduziram o conceito da tríade de deficiências no autismo (déficits nas relações sociais, na comunicação e na imaginação), utilizado até os dias de hoje.
Do campo da sociologia e do ativismo se origina o trabalho de Judy Singer. O termo “neurodiversidade”, nascido ao final dos anos 1990, é por ela utilizado para questionar o modelo biomédico e, a partir de abordagens críticas e sociais, buscar a superação das barreiras atitudinais em torno do autismo.
A proposta é olhar para o autismo como uma diferença e não como um déficit ou uma patologia e ouvir o que as pessoas autistas têm a dizer sobre si, seus tratamentos, seu mundo. Este movimento tem ganhado muito espaço atualmente, impulsionado por filmes, blogs, redes sociais de voz e autoria de autistas
Por fim, nosso personagem “TEA”. Trata-se da nomenclatura oficial no campo da saúde, também disseminada nas leis e políticas públicas e na linguagem cotidiana. TEA significa Transtorno do Espectro Autista, conforme o DSM-5; ou Transtorno do Espectro do Autismo, conforme a CID-11. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e a Classificação Internacional de Doenças (CID) são sistemas classificatórios elaborados por especialistas nomeados de várias partes do mundo para padronizar diagnósticos e codificar atestados, laudos e perícias.
É claro que a história do autismo é muito complexa para ser compreendida nestas poucas linhas. Porém, um olhar atento para o que chamamos aqui de “personagens” mostra que ela é recente, e que no campo do conhecimento humano nada é definitivo.
Ideias e conceitos nascem, se transformam e por vezes são totalmente abandonados dando lugar a novas concepções. Quais serão os próximos capítulos da história do autismo?
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Para citar este texto
Bisol, C. A. & Valentini, C. B. Autismo: uma história recente. Projeto Incluir. UCS/CNPq, 2024. Disponível em: <https://proincluir.org/autismo/historia/12-11-2024