Adaptações… mudanças… reinvenção do ensinar

Cláudia A. Bisol e Carla Beatris Valentini

Há certas aulas e certos grupos de alunos em que nada parece muito diferente daquilo que se habitou a chamar de “comum”, “ordinário”, “usual”: as aulas fluem como pensadas pelo professor, pois os alunos adaptam-se às exigências daquele que imaginou sua aula. As relações que ali se estabelecem podem ser mantidas a partir de um certo ideal do que seja o ensinar e do lugar que deve ocupar o aluno neste processo. No geral, a vida segue corriqueira e a mesmice reina soberana. Há certas aulas e certos grupos de alunos, no entanto, em que algo se mostra inevitavelmente em sua diferença: o inesperado se apresenta na forma de um aluno estrangeiro, um aluno surdo, um deficiente visual, qualquer diferença que marque que há algo desconhecido, que foge do “usual”. Como o professor se sente chamado a responder diante deste “novo”?

A alternativa de negar a diferença, anulando o outro, encontra cada vez menos espaço na sociedade contemporânea que procura conceder à diversidade um lugar. A “pedagogia do outro que deve ser anulado” (palavras de Skilar, 2003) está na contramão de todo discurso e esforço para a inclusão que temos visto em nosso país nas últimas duas décadas, mesmo que isso ocorra de uma forma ingênua ou falha.

Quando cai o ideal ou a ilusão da mesmice, cria-se a tensão: o que fazer neste espaço de ensinar se os caminhos já conhecidos não oferecem respostas seguras? Novidade. Convite a pensar. Gallo (2008) diz que “educar significa lançar convites aos outros; mas o que cada um fará – e se fará – com estes convites, foge ao controle daquele que educa”. Brincando com estas palavras, podemos pensar que educar reconhecendo a diferença é lançar convites a si mesmo para quebrar a mesmice do seu fazer, para permitir que novos lugares possam existir para o outro e para si neste fazer.

É aí que entram as mudanças didático-pedagógicas. “Adaptações” talvez seja pensar pequeno, talvez um pensar ainda titubeante, que não conseguiu conquistar plenamente um espaço para a alteridade. Talvez seja ainda vago. Mas quem sabe, um pensar que vá em direção à provocação de Skliar (2003), um pensar que possa propor (a si e ao outro): “não está mal ser o que és”, mas também: “não está mal ser outras coisas além do que já és”. Este sim um espaço aberto para a reinvenção.

Então, na prática, que reinvenções seriam estas? Impossível nomeá-las, porque invenção exige autoria. Caberá a cada um escutar a si, aos seus alunos, às famílias, para poder reinventar. Mudança, que seja esta a ação resultante.

O que nos faz voltar ao tema inicial: se há algo que pode se sugerido, são alternativas. Eis algumas:

  • Planejar o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP) considerando a concepção e as práticas inclusivas.
  • Organizar a dinâmica escolar para que os estudantes participem ativamente de todas as atividades, produzindo conhecimento e posicionando-se como um sujeito que aprende. Pode-se sempre criar estratégias respeitando os ritmos e estilos singulares de cada um.
  • Planejar e construir coletativamente o apoio necessário com os serviços especializados, entre entres o Atendimento Educacional Especializado (AEE).
  • Valorizar as capacidades individuais dos estudantes nos processos avaliativos. Estudar os critérios de correção de provas e trabalhos. Alunos surdos, por exemplo, têm o direito de não serem exigidos como os demais na escrita da Língua Portuguesa, devendo o professor focar sua correção no conteúdo.
  • Transformar aulas eminentemente orais em aulas que sejam também visuais. Os estudantes surdos, com deficiência auditiva ou com dificuldades de aprendizagem se beneficiarão desses recursos como complementares à fala do professor e como recursos organizadores do conteúdo. Se disponibilizados antecipadamente para os alunos, melhor ainda para aqueles que reconhecem suas dificuldades e que são capazes de construir estratégias para facilitar a aprendizagem.
  • Disponibilizar textos antecipadamente. Para alunos cegos ou de baixa visão, é indispensável scannear os textos ou disponibilizar textos digitalizados, dessa forma eles podem ler a escrita convencional diretamente, utilizando softwares leitores de tela (livres ou pagos), que existem no mercado.
  • Trabalhar em sintonia com o intérprete de língua de sinais quando este se fizer presente no trabalho com estudantes surdos.
  • Conversar, antes de usar vídeos e filmes, com estudantes surdos, com deficiência auditiva, cegos ou de baixa visão. Qual a estratégia mais adequada para que eles aproveitar adequadamente este material? Antecipar para que possam estudá-lo com os recursos de que dispõem (intérprete de língua de sinais, sistema de legendas close caption, apoio para descrição das cenas, assistir em etapas em ambiente com tela e luz apropriados, entre outras estratégias possíveis).
  • Compartilhar práticas significativas e bem-sucedidas que sirvam como inspiração para outros espaços e possibilidades.
  • Utilizar recursos pedagógicos e lúdicos como softwares, jogos e tecnologias assistivas.
  • Planejar antecipadamente visitas, trabalhos de campo e estágios para, junto com os estudantes, descobrir estratégias e alternativas.

Bibliografia
Gallo, Sílvio. Eu, o outro e tantos outros: educação, alteridade e filosofia da diferença. In: Anais do II Congresso Internacional Cotidiano: Diálogos sobre Diálogos. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2008.
Skliar, Carlos. A educação e a pergunta pelos Outros: diferença, alteridade, diversidade e os outros “outros”. Ponto de Vista, Florianópolis, n.05, p. 37-49, 2003.

Para citar este texto
Bisol, C. A. & Valentini, C. B. Adaptações... mudanças...reinvenção do ensinar. Projeto Incluir – UCS/FAPERGS, 2011.  Disponível em: <https://proincluir.org/ensino/flexibilizacoes/12-12-2024