Sobre causas e diagnóstico: algumas reflexões

Cláudia A. Bisol e Carla B. Valentini

Quais as causas para o autismo? É genético? É uma questão neurológica? É causado pelas relações entre o bebê e seus pais? Há questões ambientais a serem consideradas?

Essas perguntas e tantas mais fazem parte das discussões científicas e cotidianas sobre o autismo. O autismo é uma dentre tantas questões relativas ao ser humano para a qual não há ainda uma resposta definitiva. 

É compreensível a angústia que isso gera. É difícil para o ser humano, em pleno século XXI, lidar com a incerteza, com aquilo que a ciência não é capaz de dominar totalmente. Por isso, a busca por explicações é constante – seguimos tentando dar conta das dúvidas e incertezas que nos afligem.

Quais seriam as principais teorias que tentam explicar o autismo?

Teorias genéticas sugerem que múltiplos genes e interações entre genes e ambiente podem contribuir para o desenvolvimento do autismo. O fator genético poderia ocorrer por herança genética e/ou por mutação espontânea e aleatória dos genes. Fatores biológicos são também relacionados a possíveis alterações gerais no sistema nervoso central, sugerindo diferenças anatômicas, de conexões neurológicas, problemas sensoriais, alterações no processo de simbolização (Teoria da Mente) e nos caminhos neurais que poderiam estar relacionados a sintomas do autismo. Teorias ambientais, por sua vez, consideraram exposições pré-natais e perinatais como fatores que potencialmente podem contribuir para o desenvolvimento do autismo, porém, não foram capazes de relacionar um fator definitivo (Fadda; Cury, 2016; Vivanti; Messinger, 2021).

As propostas psicanalíticas para a etiologia do autismo mudaram muito desde as sugestões iniciais de que o autismo seria o resultado de vínculos frios e distantes, especialmente na relação com a mãe. Abordagens contemporâneas exploram a complexidade das predisposições biológicas na interação com as experiências iniciais na relação com o outro e sugerem que perturbações ou distorções nas experiências precoces podem evoluir para a condição autista. Considerando os fundamentos freudianos, preconizam o foco na vida afetiva e na dinâmica psíquica no cuidado à pessoa autista (Barroso, 2019).

Entre as várias teorias que compõem a base das abordagens comportamentais, duas ganham destaque: a hipótese de que o autismo seria causado por um descompasso entre o sistema nervoso da criança e o meio ambiente, e a hipótese de que as crianças com autismo teriam dificuldades no desenvolvimento do controle de estímulos, especialmente na área do comportamento social (Hixson et al., 2008). As abordagens comportamentais têm sido amplamente utilizadas para o tratamento do autismo, com foco no desenvolvimento de habilidades sociais, melhoria da comunicação, redução de comportamentos repetitivos e estereotipados, promoção de comportamentos adaptativos e funcionais, integração e regulação sensorial, entre outros.

Como se não bastasse as dúvidas referentes às causas do autismo, o diagnóstico também é complexo. A medicina, que tanto avançou nos últimos séculos, parece ter produzido uma expectativa de que tudo pode ser compreendido e dominado. Assim é com tantas doenças físicas que por séculos foram misteriosas para o ser humano e que, uma vez compreendidas, não constituem mais a mesma ameaça. Exames de todos os tipos são realizados todos os dias, permitindo o diagnóstico e tratamento de inúmeras doenças. Infelizmente, não é assim com o autismo. 

Como chegar a um diagnóstico correto de autismo? Bem, comecemos por como “não chegar”: 

Não se chega a um diagnóstico correto em consultas de cinco minutos, ou a partir de observações em sala de aula e, menos ainda, verificando uma lista de sintomas na internet. O diagnóstico de autismo exige o olhar cuidadoso de especialistas, a complexidade começa pela existência de grandes variações nos tipos e gravidade dos sintomas.

Há alterações com a idade, manifestações diferentes em meninos e meninas e, o mais difícil, a possibilidade de distúrbios concomitantes (comorbidades) ou distúrbios diferentes com sintomas semelhantes que confundem até mesmo o olhar de especialistas. Pesquisadores referem também que há falhas nos requisitos de critérios diagnósticos e nas ferramentas de avaliação padronizadas que existem atualmente. 

Trata-se de algo extremamente sério, pois o diagnóstico de autismo impacta a vida de toda a família e do próprio sujeito.

Quando feito corretamente, permite o acesso a tratamentos e adequações familiares e escolares essenciais para o bem-estar, o desenvolvimento e a aprendizagem. Quando equivocado, traz consequências negativas para a criança e sua família e prejudica o sistema como um todo, pois sobrecarrega os serviços de saúde tirando o lugar de quem realmente precisa e conduzindo, posteriormente, à impressão equivocada de que autismo tem cura (Hus; Segal, 2021).

Diante de todas essas reflexões, é importante ter atitudes cautelosas diante do autismo, evitando conclusões precipitadas, escutando profissionais qualificados,  escolhendo bem as fontes de informação e evitando generalizações. Podemos ter sempre em mente que cada caso é um caso, em sua complexidade e particularidades, e que a pessoa é muito mais do que um diagnóstico.  

 

Bibliografia
BARROSO, S. F. O autismo para a psicanálise: da concepção clássica à contemporânea. Psicologia Em Revista, v. 25, n. 3, p. 1231-1247, 2019.
FADDA, G. M.; CURY, V. E. O enigma do autismo: contribuições sobre a etiologia do transtorno. Psicologia em Estudo, v. 21, n. 3, p. 411-423, 2016.
HIXSON, M. D.; WILSON, J. L.; DOTY, S. J.; VLADESCU, J. C. A review of the behavioral theories of autism and evidence for an environmental etiology. The Journal of Speech and Language Pathology–Applied Behavior Analysis, v. 3, n. 1, p. 46, 2008.
HUS, Y; SEGAL, O. Challenges surrounding the diagnosis of autism in children. Neuropsychiatric Disease and Treatment, v. 17, p. 3509-3529, 2021.
VIVANTI, G.; MESSINGER, D. S. Theories of autism and autism treatment from the DSM III through the present and beyond: Impact on research and practice. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 51, n. 12, p. 4309-4320, 2021.

Para citar este texto
Bisol, C. A. & Valentini, C. B. Sobre causas e diagnóstico: algumas reflexões. Projeto Incluir – UCS/CNPq, 2024. Disponível em: <https://proincluir.org/autismo/diagnostico/12-11-2024