Inclusão e deficiência intelectual: algumas estratégias

Carla B. Valentini e Cláudia A. Bisol

A vida, em suas diferentes instâncias, pode ser um desafio para muitas pessoas, tenham elas deficiência intelectual ou não. Um dos aspectos que torna a vida desafiadora é o modo como a sociedade organiza os processos de ensino, de trabalho e de convivência: a partir de uma suposição implícita de que todos devem dar conta dos desafios da mesma forma. Percebe-se que há uma tendência a impor certos padrões e descartar ou não aceitar aqueles que não conseguem se adaptar a esses padrões.

Vigotski (psicólogo russo), ao falar sobre crianças com deficiência em um texto produzido entre 1924 e 1931, defendia que é preciso construir caminhos indiretos de desenvolvimento quando este resulta impossível por caminhos diretos. Já nessa época, ele propunha olhar a criança não somente pelo que lhe falta ou a limita, mas buscando compreender que caminhos alternativos podem ser encontrados para o incremento de funções que permitam o desenvolvimento e a aprendizagem. As ideias desse autor podem auxiliar a pensar o ensino, o trabalho e a convivência.

Lev Vigotski (Fonte: http://life-up.ru/blog/lev-vyigotskiy-dobryiy-geniy/)

Que caminhos alternativos podem ser construídos para que crianças, adolescentes e adultos com deficiência intelectual possam se desenvolver e fazer frente aos desafios que a vida apresenta? É realmente necessário impor os mesmos padrões?

Nas escolas, o processo de ensino é tradicionalmente organizado a partir de um ideal de aluno.  Nas empresas, a organização do trabalho também tende a ser feita pensando a partir de um ideal de trabalhador. Considerar caminhos alternativos para pessoas com deficiência intelectual (caminhos que possam respeitar a singularidade de cada um) pode favorecer a aprendizagem escolar e profissional.

Não há receitas mágicas, mas as potencialidades das pessoas podem ser o foco. Algumas questões, quando consideradas, contribuem muito:

  • O tempo: cada pessoa tem seu ritmo, e o respeito ao tempo de cada um gera tranquilidade e confiança. Pessoas com deficiência intelectual poderão precisar de um tempo maior para compreender determinadas tarefas, para se situar em alguns processos ou até mesmo para poder manifestar suas ideias.
  • A criatividade: ao experimentar formas diversificadas de expressar, provocar, interagir, estruturar o cotidiano, é possível encontrar caminhos alternativos e talvez mais produtivos. Não existe uma maneira única e prédeterminada de fazer as coisas.
  • O lúdico: a brincadeira, o jogo, o riso, a descontração permitem interações ricas entre professores e alunos, entre chefias e funcionários, entre colegas, criando situações-problema desafiadoras que colocam todos em movimento e que podem auxiliar a ressignificar as experiências vividas.
  • O potencial: ninguém nasce pronto; todos têm potenciais a desenvolver, mas o desenvolvimento necessita do outro, ou seja, necessita da aposta que se faz ao acreditar no outro.
  • O singular: reconhecer e respeitar a diferença de cada um pode permitir que o outro esteja presente em sua singularidade. É um modo potente de abrir possibilidades para as multiplicidades que nunca se extinguem.  Se todos somos singulares, então a descoberta do outro nunca finda!

Ritmos diferentes, criatividade, espaço para o lúdico e para a singularidade, e aposta no potencial podem contribuir para que se diminuam as barreiras, ou seja, para que as pessoas com deficiência intelectual possam progredir em situações escolares, profissionais e de convivência.

Esses elementos podem contribuir, de forma geral, para se pensar estratégias que favoreçam a inclusão de pessoas com deficiência intelectual.  Também é importante lembrar que cada caso é um caso: para alguns, será mais fácil estar na escola e mais gratificante poder trabalhar; para outros será mais desafiador.

Participar de ambientes sociais, circular nos espaços, fazer amizades, desenvolver tarefas com significado, desenvolver habilidades comunicativas, situar-se melhor na vida cotidiana – todos esses aspectos são importantíssimos para o desenvolvimento integral do ser humano. Não é diferente para crianças, adolescentes e adultos com deficiência intelectual.

Bibliografia
Pletsch, M. D ; De Oliveira, M. C. P. ; Lima, M. F. C. Experiências do observatório em educação especial e inclusão escolar: em foco as práticas curriculares e a formação de professores. e-Mosaicos, v. 4, p. 63-71, 2015.
Skliar, C. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
Vigotski, L. S. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança normal. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 861-870, dez. 2011.

Para citar este texto
Valentini, C. B & Bisol, C. A. Inclusão e deficiência intelectual: algumas estratégias. Projeto Incluir. UCS/CNPq/FAPERGS, 2015.   Disponível em: <https://proincluir.org/deficiencia-intelectual/estrategias/17-10-2025